Há
mais de dois anos encontra-se em andamento no Supremo Tribunal Federal a
Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.135, apresentada pela
Confederação Nacional da Indústria, a questionar a norma que foi
sorrateiramente introduzida pelo Congresso quando da discussão da Medida
Provisória 577, em dezembro de 2012.
Ao acompanhar essa sucessão
de maldades e idiotices em que se transformou o processo legislativo
brasileiro, tivemos a oportunidade de registrar a ilegalidade em nossa
coluna de 7 de janeiro de 2013
— clique aqui para ler.
A
mencionada Medida Provisória 577 foi convertida na Lei 12.767 de 28 de
dezembro de 2012 e sua ementa cuidava de assuntos da energia elétrica.
A
Lei Complementar 95 de 26 de fevereiro de 1998, hierarquicamente logo
abaixo da Constituição, destina-se a regular a elaboração, a redação, a
alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo
único do art. 59 da Constituição Federal
. A simples leitura do texto constitucional assim o afirma e deixa clara a hierarquia do sistema.
Ora,
o artigo 7º da Lei Complementar 95, que, em síntese, diz como qualquer
lei deve ser feita, ordena textualmente que “excetuadas as codificações,
cada lei tratará de um único objeto” e ainda que “a lei não conterá
matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade,
pertinência ou conexão”.
Portanto, ao inserir no texto original da
MP uma alteração para cuidar de protesto de certidões de dívida ativa, o
Congresso violou expressamente a LC 95 e a presidente da República
descumpriu seu dever de vetar texto contrário ao sistema legislativo.
As
CDAs são títulos da dívida pública que se revestem de certeza e
liquidez. Não há razão bastante que aponte a necessidade de seu
protesto, eis que podem e devem ser base para ações de execuções fiscais
onde o devedor terá bens penhorados, valores financeiros bloqueados
etc.
O protesto, pelas suas consequências na área de crédito,
causa sérios prejuízos ao devedor e, pior ainda, viola o direito
constitucional à plena defesa, na medida em que não são raros os casos
de cobranças de dívidas já pagas, prescritas ou atingidas pela
decadência. Trata-se de verdadeira sanção política.
As Súmulas 70 e
547 do Supremo Tribunal Federal asseguram ser “inadmissível a
interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de
tributo” e também que “não é lícito à autoridade proibir que o
contribuinte em débito (...) exerça suas atividades profissionais”.
O
contribuinte que apresente títulos protestados é, perante seu ramo de
atividade, verdadeiro pária social. Não tem acesso a banco, cartões de
crédito e compras facilitadas. Ocorreu, de fato, a interdição de
estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo. Ficou, na
prática, proibido de exercer “suas atividades profissionais”.
Com
os recentes despachos de 20 de novembro de 2015, tudo indica que o
Supremo Tribunal Federal pode e deve decidir a relevante questão que já
causou tantos danos a muitos contribuintes.
A norma legal que vem
prejudicando os contribuintes vigora desde janeiro de 2013 e a Ação
Direta de Inconstitucionalidade foi distribuída em 7 de junho de 2014. O
pedido de liminar ainda não foi apreciado. O princípio da duração
razoável do processo deve ser aplicado no caso.
Matéria de tal
relevância não pode sucumbir a interesses fora do contexto
constitucional, seja para atender pedidos de donos de cartórios ou
súplicas de governos estaduais que não souberam cuidar de seus tesouros.