Apesar
da proibição prevista no parágrafo 1º do artigo 42 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), a adoção pelos avós (adoção avoenga) é possível quando for
justificada pelo melhor interesse do menor.
Seguindo esse entendimento, a Quarta Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso do Ministério Público e
manteve decisão que permitiu a adoção de uma criança pela avó paterna e por seu
companheiro, avô por afinidade.
O colegiado alinhou-se à posição da Terceira Turma, que, em
casos julgados em 2014 e 2018, já havia permitido esse tipo de adoção para
proteger o melhor interesse do menor.
Segundo o relator do recurso analisado pela Quarta Turma,
ministro Luis Felipe Salomão, a flexibilização da regra do ECA, para autorizar
a adoção avoenga, exige a caracterização de uma situação excepcional.
Entre as condições para isso, Salomão destacou a necessidade
de que o pretenso adotando seja menor de idade; que os avós exerçam o papel de
pais, com exclusividade, desde o nascimento da criança; que não haja conflito
familiar a respeito da adoção e que esta apresente reais vantagens para o
adotando.
Dependência química
O recurso julgado diz respeito a uma mãe que, alguns dias
após o parto, entregou a criança aos cuidados da avó paterna e de seu
companheiro, que ficaram com a guarda provisória. Oito meses depois, os avós
ajuizaram a ação de adoção, informando que os pais biológicos eram dependentes
químicos e que a mãe aparecia frequentemente drogada para visitar a criança,
ameaçando retomar a guarda.
Na petição inicial, os avós afirmaram que a adoção era
necessária para preservar a integridade física do menor. Narraram que seu irmão
por parte de mãe havia sido morto em uma possível vingança de traficantes.
Citados, os pais concordaram com a adoção. Em primeira
instância, o pedido foi julgado procedente – decisão confirmada pelo tribunal
estadual. Desde o início, o Ministério Público discordou da medida, alegando
violação ao texto literal do ECA.
Fim social
Ao justificar a adoção avoenga, o ministro Salomão se
referiu aos precedentes firmados pela Terceira Turma e disse que a medida deve
ser permitida em situações excepcionais, como a dos autos, "por se mostrar
consentânea com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente".
Ele considerou que tal possibilidade contempla o fim social
objetivado pelo ECA e também pela Constituição de 1988.
Além das condições mencionadas estarem atendidas no caso,
Salomão afirmou que o estudo psicossocial atestou a parentalidade socioafetiva
entre os adotantes e a criança. Ele ressaltou que o lar reúne condições
necessárias ao pleno desenvolvimento do menor.
"A pretensão de adoção funda-se em motivo mais que
legítimo, qual seja, desvincular a criança da família materna, notoriamente envolvida
em criminalidade, o que já resultou nos homicídios de seu irmão biológico de
apenas nove anos de idade e de primos adolescentes na guerra do tráfico de
entorpecentes" – enfatizou o relator.
Conceito de família
Nesta terça-feira (10), na conclusão do julgamento do
recurso, o ministro Marco Buzzi apresentou voto-vista, acompanhando a posição
do relator e apontando um fundamento adicional, relativo ao conceito de família
para fins de adoção.
Ele lembrou que, quando amplamente demonstradas a
afetividade e a afinidade da criança com os parentes que pretendem adotá-la –
desde que preenchidos os demais requisitos legais, como a diferença mínima de
idade e o rompimento dos vínculos socioafetivos com os pais –, a adoção é
plenamente admitida, "já que a própria lei, nos termos do artigo 19 do ECA, assegura à
criança e ao adolescente o direito de serem criados e educados no seio de sua
família".
O ministro destacou que a criança reconhece a avó paterna
como mãe e não tem vínculo afetivo com os pais biológicos.
Esse posicionamento do colegiado, segundo Marco Buzzi,
"não constitui ativismo judicial, mas um dever imposto ao julgador
intérprete de salvaguardar o melhor interesse da criança e conferir uma
ponderação equilibrada e concatenada da vontade social exercida pela atuação do
legislador".
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo
judicial.