O
momento atual de crise põe sob realce a importância das atividades de
planejamento prévias à realização de concursos públicos. É relevante
perceber que o número de concursos cresce na mesma proporção em que
crescem as demandas administrativas e judiciais que poderiam ser
evitadas com a correta atenção à organização e planejamento do certame.
A
realização de concurso público prévio ao acesso aos cargos e empregos
públicos objetiva realizar os princípios consagrados em nosso sistema
constitucional, notadamente os princípios da democracia e isonomia, e
efetiva-se por meio de processo administrativo.
Utilizando este
mecanismo, são atendidas também as exigências do princípio da
eficiência, neste momento entendido como a necessidade de selecionar os
mais aptos para ocupar as posições em disputa e proporcionar uma atuação
estatal otimizada. O acesso aos cargos e empregos públicos deve ser
amplo e democrático, precedido de um procedimento impessoal onde se
assegurem igualdade de oportunidades a todos interessados em concorrer
para exercer os encargos oferecidas pelo Estado, a quem incumbirá
identificar e selecionar os mais adequados, mediante critérios
objetivos.
O concurso público não é um
fim em si mesmo, mas
meio
para a identificação objetiva dos mais aptos ao exercício de funções
estatais. Por essa razão, o concurso deve ser objeto de rigoroso
planejamento justamente para que atinja seus objetivos.
Sem
qualquer pretensão de definitividade, algumas providências importantes
na fase de planejamento podem ser enunciadas. Os órgãos e entidades que
planejam realizar concurso público devem verificar, como providências
preliminares:
1. O número de cargos e empregos vagos;
2.
Quantos servidores comissionados, contratados por prazo determinado e
terceirizados desempenham funções legalmente atribuídas a cargos
efetivos (deve-se aproveitar a realização do concurso para regularizar
estas situações);
3. Quantos agentes
públicos que ocupam o mesmo cargo ou emprego que será objeto do concurso
encontram-se em vias de aposentadoria, sobretudo na modalidade
compulsória, durante o prazo de validade do certame;
4. Qual o histórico de permanência (análise de rotatividade) nos cargos e empregos disponibilizados;
5.
Quais são as reais necessidades quantitativas da Administração (em
havendo necessidade de criação ou extinção de cargos, deve ser elaborado
o projeto de lei respectivo);
6. A existência de concurso anterior com prazo de validade ainda não expirado e com candidatos aprovados ainda não nomeados;
7.
O prazo de validade que será estabelecido, obedecendo-se o limite
constitucional e os limites legais porventura existentes. Como se trata
de procedimento complexo que, na maioria das vezes, acarreta gastos
consideráveis à Administração, deve ser estabelecido prazo razoável que
não imponha, sem justificativa técnica, a realização de novo concurso e a
consequente criação de novos gastos;
8. A possibilidade de obediência aos requisitos fiscais para a futura nomeação dos aprovados (determinados pela Constituição e pela Lei de Responsabilidade Fiscal);
9. O
perfil necessário aos candidatos para o desempenho das atividades, bem
como a adequação desse perfil à descrição legal das atribuições dos
cargos e empregos;
10. A conveniência de se executar diretamente ou terceirizar a execução do concurso;
11.
Normatização das atribuições da comissão de concurso, da banca(s)
examinadora(s) e de qualquer órgão com competência para atuar no
certame;
12. A possibilidade de se
estabelecer um cronograma para as nomeações e/ou contratações, de acordo
com o grau de definição das circunstâncias objetivas condicionantes
(por exemplo, o atendimento dos requisitos fiscais).
Uma das
etapas mais importantes do planejamento do certame é o estabelecimento
do número de vagas a serem ofertadas. A questão ganhou ainda mais
relevância diante da consagração jurisprudencial do direito adquirido à
nomeação dos aprovados durante o prazo de validade do concurso.
A
resposta imediata e intuitiva a respeito do número de vagas que deve ser
disponibilizado em cada concurso corresponderia ao número de cargos ou
empregos públicos vagos.
Contudo, a verificação dos cargos e empregos
sem provimento é apenas a etapa inicial do planejamento das vagas que
serão disponibilizadas no certame. Em se tratando de procedimento
administrativo que demanda o dispêndio de vultosos recursos públicos e
também de tempo considerável, é dever da Administração Pública planejar o
certame para dele extrair o melhor resultado possível à satisfação do
interesse público.
A segunda pergunta torna clara a possibilidade
de se aproveitar a realização do concurso para corrigir irregularidades
verificadas no quadro de pessoal. Com efeito, a utilização de cargos em
comissão e de serviços terceirizados para o exercício de atribuições
legalmente atribuídas a servidores ocupantes de cargos efetivos é
irregular — por ofensa à Constituição, por parte da lei que cria cargos
em comissão, ou por afronta à lei que cria os cargos efetivos, no caso
da contratação — e deve ser corrigida no menor tempo possível.
É
também importante verificar se o quadro de pessoal atende às
necessidades atuais da Administração Pública. Sabe-se que o perfil
profissional adequado para carreiras públicas pode e deve evoluir de
acordo com a necessidade de nova formação e novas habilidades para bem
servir o público. Em se constatando a defasagem do quadro de pessoal,
sobretudo em razão da necessidade de se exigir novos requisitos para
admissão, é importante iniciar o processo legislativo de alteração antes
da deflagração do concurso.
A indagação constante do número 4
propõe pesquisa a respeito do histórico temporal de permanência nos
cargos oferecidos no concurso. Certos cargos são marcados por maior
rotatividade de servidores, por motivos diversos (baixa remuneração,
jornada de trabalho etc.), e por essa razão recomendam a previsão de um
cadastro de reserva com número adequado de candidatos para evitar a
vacância por longo período.
É relevante ainda ressaltar que a
regra determina o início de concurso somente após a expiração do prazo
de validade do concurso anterior. Essa regra tem sua importância
renovada diante da consagração jurisprudencial do direito adquirido à
nomeação dos candidatos aprovados. Admite-se, entretanto, a
possibilidade de iniciar novo concurso ainda durante o prazo de validade
do anterior quando todos os aprovados neste último — inclusive os
constantes do cadastro de reserva — já tiverem sido nomeados. Essa
possibilidade é decorrência natural do princípio da razoabilidade,
sobretudo pelo fato de não existirem direitos ou interesses de terceiros
a serem protegidos e pela necessidade de celeridade no provimento dos
cargos ou empregos.
Finalmente, é essencial determinar de forma
planejada o prazo de validade do concurso. A fixação do prazo de
validade é de competência da Administração, que está sujeita ao prazo
máximo de dois anos (artigo 37, inciso III da Constituição). No
exercício desta competência discricionária, deverá a Administração levar
em conta as circunstâncias do caso concreto para estabelecer,
motivadamente e
razoavelmente,
o prazo respectivo.
Pode-se admitir o estabelecimento de prazo menor
que o máximo de dois anos, por exemplo, para o ingresso em cargos cujas
atribuições liguem-se a conhecimentos de tecnologias que mudam com
frequência acima do normal. É claro que o dever de motivar irrompe ainda
com maior nitidez nestas situações de estabelecimento de prazo menor do
que dois anos.
Diante da existência de candidatos aprovados ainda não convocados para nomeação, é difícil encontrar motivos para a ausência de
prorrogação do prazo de validade do certame.
Dois princípios deverão assumir essencial relevância na análise de cada
situação concreta: economicidade e interesse público. Com relação ao
primeiro princípio, cabe destacar que a realização de concursos demanda
tempo e dispêndio de recursos, muitas vezes expressivos, que devem ser
aproveitados ao máximo possível — a manutenção de relação de aprovados,
nesse sentido, não acarreta qualquer ônus, ao contrário da realização de
outro certame. Em relação ao princípio do interesse público, deve-se
ter em conta a possibilidade de pronto provimento de cargo ou emprego,
decorrente da exoneração de agente público durante o prazo de validade
do concurso. De qualquer maneira, o dever de motivar é reforçado nas
decisões contrárias à prorrogação da validade de concursos com prazo de
validade ainda não expirado.
Em conclusão, o planejamento do
concurso é tão importante quanto sua execução — descurar dessa etapa
inicial implica submeter a Administração a grande risco de despender
esforços, tempo e recursos em vão.