domingo, maio 30, 2010

Quadrilha da traição: poesia, jurisprudência e o novo CC/2002



A jurisprudência nacional decide, muitas vezes, pela compensação por danos morais nos casos de infidelidade conjugal. Nem sempre a ocorrência é de infidelidade, pois cada um sofre dentro da medida da sua intimidade, do sentido de moral e ética. Dessa forma, não pode ocorrer a indenização por danos morais quando tais danos não são aqueles narrados pelo ofendido e também não foram suficientemente provados para o devido convencimento do julgador.


Ter sentimentos nos recônditos da alma não pode ser motivo para ferir a moral, mas aflorar tais sentimentos pode criar emoções que venham a prejudicar o parceiro (a) e, assim, produzir danos morais maculando a relação conjugal. Amar outro (a) fora da relação conjugal, sem a aparência de qualquer fato externo que leve ao conhecimento púbico, não ocasiona qualquer tipo de dano. É uma situação crível e pode ser ilustrada com a quadrilha do Carlos Drummond de Andrade: “João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história”. Todo amor desiludido poderia redundar em indenização, mas quando Drummond, um dos nossos maiores poetas, criou a Quadrilha (do amor desiludido) não imaginava que anos depois essa história, se ocorrer efetivamente com demonstração externa dos sentimentos, poderá causar indenização financeira. Pois é. Agora é economicamente perigoso trair o cônjuge.


Poderia, com a devida vênia dos poetinhas de plantão, criar a Quadrilha da Indenização do Amor Traído, que tanto é demonstrado por nossos Tribunais. Ficaria dessa maneira: João traía Teresa que amava Raimundo que traía Maria que amava Joaquim que traía Lili que não amava ninguém, mas que contou a todos; Teresa ganhou indenização por danos morais de João; Maria que sofreu a traição, mas amava Joaquim, ganhou indenização de Raimundo e Lili ganhou indenização de Joaquim e se casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história, mas pelos valores recebidos pela amada, foram felizes para sempre!


A convivência ou o casamento, instituições cujo destino pensava-se fadado à extinção, alçam o status de instituições protegidas por uma criação mental legal, ou mesmo por entendimentos jurisprudenciais que hoje impõem aos homens e mulheres respeito uns pelos outros e, de uma forma legal, condicionam o cometimento do adultério.


Evidente que a história acima deixa antever que o casamento toma um rumo da sinceridade imposta pela lei ou jurisprudência e não pela ética ou moral que se deve ter ao assumir o compromisso conjugal. Compromisso conjugal que, hoje, parece tornar-se mais um contrato de risco do que compromisso com o amor.


A traição de um dos cônjuges deve ser provada de forma indelével para que se possa obter na justiça a indenização pretendida; são vários os entendimentos nesse sentido: “o relacionamento amoroso levado a efeito pelo marido não enseja o pagamento de danos morais à esposa, já que não demonstrado que ele ocorreu em concomitância com o casamento, inexistindo, pois, violação ao dever de fidelidade recíproca, não restando, configurado, portanto, o dever de indenizar, ante a inexistência da configuração de ato ilícito” (Tribunal de Justiça de Minas Gerais n. processo: 1.0439.06.049741-9/001 - Julgamento: 11/02/2008).


As provas devem ser robustas de tal forma que não criem dúvidas e, mais importante ainda, as provas não podem ser gravações telefônicas, por exemplo, por não ser suficiente para comprovar a traição. É o caso decidido pelo STJ que julgou o indeferimento dos danos pleiteados pelo marido, mesmo a mulher dopando seus filhos para poder ter tranqüilidade para sair com o amante médico e, comprovada a traição por meio de gravação telefônica, a prova produzida pelo marido violou a intimidade da mulher e não foram aceitas. O marido, além de traído e sofrendo por todos os tipos de danos, não conseguiu provar, pelas gravações telefônicas, que a mulher estaria tendo um caso com um médico que lhe fornecia remédios para dopar os filhos (RMS 5352/GO do STJ).


Está consolidado, em nossa jurisprudência, o dever de compensar os danos morais causados no caso de infidelidade conjugal quando amplamente provado. Tal entendimento é lição da Ministra Nancy Andrighi quando decidiu: “no sistema da responsabilidade civil extracontratual, para configuração da obrigação de indenizar exige-se a prática de violação a um dever jurídico, que muitas vezes não se encontra, expressamente, indicado na lei, mas que, nem por isso, impede a caracterização de ato ilícito ensejador da responsabilidade pelos danos causados. Observa-se que "respeito e consideração mútuos" só foram incluídos como deveres conjugais no CC/02. No entanto, considerando as modificações pelas quais passou o direito de família e levando em conta a disposição constitucional acerca do dever de respeito à pessoa, é perfeitamente possível compreender, de forma extensiva, o dever de fidelidade, constante no art. 231 do CC/16 (art. 1.566 NCC), e concluir que cabe aos cônjuges também a observância do dever, implícito, de lealdade e sinceridade recíproca (REsp. n. 742.137/RJ, j. 21-08-2007).


Entre os deveres que a lei impõe aos cônjuges a fidelidade recíproca é a primordial para mantença da família, depois a vida em comum no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; respeito e consideração mútuos, segundo o art. 1.566 do CC/2002, pois os deveres decorrentes da lei são a proteção em manter a organização monogâmica da família e a séria abstenção da prática de relações sexuais com terceiros.


Ainda, o dever de fidelidade deve estar relacionado apenas com o parceiro e não com o “coautor” da traição. O terceiro, na relação de infidelidade, não responde nenhum tipo de ação por não ter o compromisso legal com aquele que está a sofrer a traição. Significa dizer que o dever jurídico de fidelidade existe apenas entre os cônjuges e não se estende a terceiro(s), mesmo que venha a ser cúmplice no adultério ocorrido durante a vigência do matrimônio do(a) outro(a) (É decisão consolidada no TJ de Minas Gerais, Processo: 1.0480.04.057449-7/001(1)).


A discussão sobre o assunto está voltada para a proteção moral do ofendido nas relações conjugais; vários outros entendimentos podem ser destacados, em cada caso.


Allaymer Ronaldo R B Bonesso - Professor de Direito Financeiro e Administrativo da UNEP – Jacarezinho


Tais Caroline Pinto, acadêmica do 5º da Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP - campus de Jacarezinho.

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