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sexta-feira, junho 27, 2025

Ficção Jurídica - O divórcio nas mãos erradas da Justiça

 

    Um divórcio não consensual e a demora na prestação jurisdicional: o luxo de não realizar audiências nas sexta-feira.


    Maria do Carmo, mulher de renda média, casada sob o regime de comunhão parcial de bens e mãe de uma filha menor, recorreu ao Judiciário para resguardar os seus direitos como cônjuge e proprietária de poucos bens. Sua subsistência – e a da filha – há tempos dependia exclusivamente do seu salário, já que o marido se eximia de qualquer contribuição efetiva para as despesas do lar. Enquanto negava recursos para medicamentos da criança, chegou a transferir, se não me falha a memória, R$ 400 via PIX ao ex-presidente, como gesto de apoio à extrema-direita.

    Cansada da convivência com o fanatismo político do ex-companheiro, Maria do Carmo decidiu deixar a residência do casal. Tentou permanecer com a filha no imóvel, mas o marido se recusou a sair. Diante disso, ela se mudou e alugou uma nova moradia. A vida, então, melhorou longe do extremismo bolsonarista.

    Sua história, entrelaçada à do filho, cruzou inevitavelmente o caminho do Judiciário. Ajuizou ação de divórcio litigioso com pedido liminar de pensão alimentícia, fundamentando a urgência na permanência do ex-marido no imóvel do casal e na necessidade de arcar com o aluguel. Pleiteou 30% do salário do requerido, valor que foi devidamente comprovado por contrato de trabalho.

    Surpreendentemente, o Ministério Público, mesmo ciente da condição de urgência e da deficiência da filha, manifestou-se contra o percentual requerido, sugerindo o arbitramento de apenas 22% do salário mínimo. Diante da urgência e do desespero, não foi interposto agravo contra esse parecer.

    Vale observar que, em março de 2025 – data em que este relato é escrito –, o salário de um Promotor de Justiça alcança R$ 47.000,00 (fonte: https://apps.mppr.mp.br/sis/ext/mem/indfolha.html). Para alguém da super elite, qual seria a importância da vida de uma mulher pobre com filha deficiente? Nenhuma. Os direitos humanos, nesse contexto, parecem servir apenas para a ficção literária e as aulas de pós-graduação.

    Seguindo.

    O processo foi proposto em maio de 2020, a audiência de conciliação foi designada pelo Juiz  da Comarca para janeiro de 2021. Enquanto isso Maria do Carmo e o filho teriam que se virar sozinhos. 
(O salário do Juiz de Direito da Comarca é de R$112.010,58 (fonte: https://www.tjpr.jus.br/folha-de-pagamento). Nota: O valor teve por base um juiz de entrância intermediária. Um Juiz de Direito Substituto recebeu em janeiro de 2025 o valor de R$109.536,30)

    Indagados o porquê do tempo para se marcar uma audiência de conciliação a resposta sempre é a mesma: não tinham pauta até aquela data. Maria do Carmo socorreu ao pedido verbal, pois o advogado não trabalhou para antecipar a audiência de conciliação e fazer com que o processo tivesse um trâmite mais rápido, devido a urgência da situação. 

    Com a insistência de Maria do Carmo, antecipou-se a audiência para três meses depois da ação ser distribuída. Menos mal. 

    Mas o Judiciário continua mais do mesmo. Audiência antecipada. Na sala de audiência Maria do Carmo, seu advogado, o Requerido, uma estagiária e o advogado do Requerido por vídeo conferência.
Sem juiz, sem promotor, sem qualquer assistência legal.

    Resultado da audiência: discussão e bate-boca para divisão de bens e pagamento de pensão.
    
    Cadê o juiz e o promotor? 

    O processo se arrastou durante anos. 

    Dos vários pedidos poucos foram decididos de forma correta e aplicação da justiça, ao contrário, os lapsos temporais privilegiam sempre aquele que não respeita a lei. Juízes relapsos são os que mais contribuem para um olhar negativo do serviço público prestado pelo judiciário. 

    É mais do que certo não se assustar com tudo isso, pois o Poder Judiciário é, junto com o Poder Legislativo, perdulário e contribui para a exclusão social. (Indicação para leitura: O país dos privilégios. Vol 1. Os novos e velhos donos do poder. Bruno Carazza. Editora Melhoramento).

    A elite do atraso (termo cunhado por Jessé Souza) encontra-se nos corredores do judiciário do país. Ao negar-se ao trabalho, como não deveriam fazer, relevam a vida de pessoas ao menor patamar de humanidade. 

    Esta estória ainda não terminou. Como é uma ficção jurídica e a liberdade para escrever pode ir longe, teremos a sequência em uma breve segunda parte quando será contado as decisões maldosas do juiz (foi sem querer querendo, atrapalhar a vida das pessoas).

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