TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA
A teoria da cegueira deliberada construiu o raciocínio pelo qual o
agente, de forma deliberada, finge não enxergar a ilicitude de determinados
atos, a origem de bens, valores e direitos, na intenção de obter vantagens.
É uma teoria desenvolvida pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que
resolveu denominar, além de “Teoria da Cegueira Deliberada”, também como
“Willful Blindness Doctrine” (Doutrina da cegueira intencional), “Ostrich
Instructions” (Instruções de avestruz), “Conscious Avoidance Doctrine”
(Doutrina do ato de ignorância consciente) etc.
Inicialmente a teoria foi invocada em ilícitos penais e, no Brasil, o
Ministro Celso de Mello, do STF, aplicou no julgamento referente aos crimes da
Ação Penal 470, crime conhecido como “mensalão”.
Somente poderá ser aplicada a teoria quando provado que o agente
teve/tinha conhecimento no qual os bens, valores ou direitos tenham sido
produtos de ilícito administrativo. A punição ocorre, assim, àquele que, de
modo intencional, se coloca em estado de desconhecimento ou ignorância, fazendo
acreditar que não conhecia as circunstâncias fáticas de uma situação que é
visivelmente suspeita.
Dessa forma, a aplicação da teoria necessita de três requisitos que são
fundamentais para a caracterização de ilícito administrativo: a) comprovação na
qual o agente concorreu para a sua conduta e teve consciência voluntária da
criação de barreiras ao conhecimento dos fatos; b) que os atos sejam praticados
de modo voluntário e que o agente teve a intenção de se manter na ignorância,
mas tinha possibilidades de obter conhecimento e não o fez, como por exemplo,
estavam ao seu alcance documentos, provas e ou indícios que o ilícito seria
descoberto e c) comprovação efetiva que o agente tinha a intenção de se portar
da forma e modo que se portou e que se mantinha em estado de ignorância visando
exclusivamente a própria proteção do ilícito e de possível condenação, alegando
sempre que nada sabia a respeito. É a criação consciente e voluntária de
barreiras que evitam o conhecimento dos ilícitos e, concluindo, nas lições de
Ramon Ragués i Vallès, quem se encontra no estado de ignorância deliberada é
"todo aquele que podendo e devendo conhecer determinadas circunstâncias
penalmente relevantes de sua conduta, toma deliberada ou conscientemente a
decisão de manter-se na ignorância com relação a elas"[1].
Em ilícitos administrativos algumas decisões colocam em evidência a
aplicação da teoria, como por exemplo, o acórdão de condenação em ação civil
pública, por ato em licitação, quando, uma empresa vencedora do processo de
licitação foi beneficiada por manobra dos envolvidos e devidamente comprovada:
“... Com fraude evidente das propostas
ofertadas conluio também comprovado entre a empresa vencedora e as vencidas,
cujas sócias são filha e companheira do sócio da empresa vencedora - Prova
pericial altamente conclusiva, e que apontou com clareza o valor do prejuízo ao
erário Superfaturamento constatado. Aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada.
Ato de improbidade administrativa devidamente comprovado, ante a constatada
cavilosidade dos corréus. Infringência do art. 10, VIII, da Lei nº 8.249/92.”[2]
Ainda, em outra ação civil pública, o Tribunal de Justiça de São Paulo,
aplicou a teoria para condenar a fraude detectada em processo licitatório: “Comportamento dissuasivo da empresa
vencedora que, embora tivesse condição técnica para saber que o valor estimado
pela prefeitura fosse muito superior ao de mercado, mancomunada com os
servidores públicos, fingiu ter ganho o certame com a oferta de valor pouco
inferior a este, e em relação a um dos contratos até superior, obtendo, a
partir daí, vantagem indevida, com nítido prejuízo ao Erário Público. Aplicação
da teoria da cegueira deliberada. Ato de improbidade administrativa devidamente
comprovado, ante a constatada cavilosidade dos corréus. Infringência do art. 10,
I e XII, da Lei nº 8.249/1992”[3].
[1] RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. La
ignorancia deliberada en derecho penal. Barcelona: Editora Atelier, 2007. p. 158.
[2]
TJSP - Ap 0003527-67.2005.8.26.0136 - Cerqueira César - 9ª CDPúb. - Rel.
Rebouças de Carvalho - DJe 26.11.2013 - p. 1105
[3]
TJSP - Ap 9084661-41.2009.8.26.0000 - Jundiaí - 9ª CDPúb. - Rel. Rebouças de
Carvalho - DJe 21.01.2013 - p. 1368