segunda-feira, dezembro 04, 2017

Direito Administrativo Brasileiro - Breves Conceitos



TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA



A teoria da cegueira deliberada construiu o raciocínio pelo qual o agente, de forma deliberada, finge não enxergar a ilicitude de determinados atos, a origem de bens, valores e direitos, na intenção de obter vantagens.
É uma teoria desenvolvida pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que resolveu denominar, além de “Teoria da Cegueira Deliberada”, também como “Willful Blindness Doctrine” (Doutrina da cegueira intencional), “Ostrich Instructions” (Instruções de avestruz), “Conscious Avoidance Doctrine” (Doutrina do ato de ignorância consciente) etc.
Inicialmente a teoria foi invocada em ilícitos penais e, no Brasil, o Ministro Celso de Mello, do STF, aplicou no julgamento referente aos crimes da Ação Penal 470, crime conhecido como “mensalão”.
Somente poderá ser aplicada a teoria quando provado que o agente teve/tinha conhecimento no qual os bens, valores ou direitos tenham sido produtos de ilícito administrativo. A punição ocorre, assim, àquele que, de modo intencional, se coloca em estado de desconhecimento ou ignorância, fazendo acreditar que não conhecia as circunstâncias fáticas de uma situação que é visivelmente suspeita.
Dessa forma, a aplicação da teoria necessita de três requisitos que são fundamentais para a caracterização de ilícito administrativo: a) comprovação na qual o agente concorreu para a sua conduta e teve consciência voluntária da criação de barreiras ao conhecimento dos fatos; b) que os atos sejam praticados de modo voluntário e que o agente teve a intenção de se manter na ignorância, mas tinha possibilidades de obter conhecimento e não o fez, como por exemplo, estavam ao seu alcance documentos, provas e ou indícios que o ilícito seria descoberto e c) comprovação efetiva que o agente tinha a intenção de se portar da forma e modo que se portou e que se mantinha em estado de ignorância visando exclusivamente a própria proteção do ilícito e de possível condenação, alegando sempre que nada sabia a respeito. É a criação consciente e voluntária de barreiras que evitam o conhecimento dos ilícitos e, concluindo, nas lições de Ramon Ragués i Vallès, quem se encontra no estado de ignorância deliberada é "todo aquele que podendo e devendo conhecer determinadas circunstâncias penalmente relevantes de sua conduta, toma deliberada ou conscientemente a decisão de manter-se na ignorância com relação a elas"[1].
Em ilícitos administrativos algumas decisões colocam em evidência a aplicação da teoria, como por exemplo, o acórdão de condenação em ação civil pública, por ato em licitação, quando, uma empresa vencedora do processo de licitação foi beneficiada por manobra dos envolvidos e devidamente comprovada: “... Com fraude evidente das propostas ofertadas conluio também comprovado entre a empresa vencedora e as vencidas, cujas sócias são filha e companheira do sócio da empresa vencedora - Prova pericial altamente conclusiva, e que apontou com clareza o valor do prejuízo ao erário Superfaturamento constatado. Aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada. Ato de improbidade administrativa devidamente comprovado, ante a constatada cavilosidade dos corréus. Infringência do art. 10, VIII, da Lei nº 8.249/92.”[2]
Ainda, em outra ação civil pública, o Tribunal de Justiça de São Paulo, aplicou a teoria para condenar a fraude detectada em processo licitatório: “Comportamento dissuasivo da empresa vencedora que, embora tivesse condição técnica para saber que o valor estimado pela prefeitura fosse muito superior ao de mercado, mancomunada com os servidores públicos, fingiu ter ganho o certame com a oferta de valor pouco inferior a este, e em relação a um dos contratos até superior, obtendo, a partir daí, vantagem indevida, com nítido prejuízo ao Erário Público. Aplicação da teoria da cegueira deliberada. Ato de improbidade administrativa devidamente comprovado, ante a constatada cavilosidade dos corréus. Infringência do art. 10, I e XII, da Lei nº 8.249/1992”[3].





[1] RAGUÉS I VALLÈS, Ramon. La ignorancia deliberada en derecho penal. Barcelona: Editora       Atelier, 2007. p. 158.
[2] TJSP - Ap 0003527-67.2005.8.26.0136 - Cerqueira César - 9ª CDPúb. - Rel. Rebouças de Carvalho - DJe 26.11.2013 - p. 1105
[3] TJSP - Ap 9084661-41.2009.8.26.0000 - Jundiaí - 9ª CDPúb. - Rel. Rebouças de Carvalho - DJe 21.01.2013 - p. 1368

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