RECURSO ESPECIAL Nº 1.808.767 -
RJ (2019⁄0114609-4)
RELATOR : MINISTRO LUIS
FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : SAMUEL CUKIERMAN
RECORRENTE : MAURO CUKIERMAN
RECORRENTE : ROGERIO
CUKIERMAN
ADVOGADOS : SÉRGIO
SENDER - RJ033267 e MÔNICA SENDER - RJ055404
RECORRIDO : NÃO INDICADO
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE
SALOMÃO (Relator):
1. Lea Cukierman faleceu em
1°⁄2⁄2015, deixando em favor do marido, Samuel Cukierman, e dos dois filhos
maiores Mauro Cukierman e Rogério Cukierman, testamento público, devidamente
processado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões do Rio de
Janeiro, com total concordância dos herdeiros e da Procuradoria do Estado,
ficando estabelecido que toda a parte disponível da herança seria destinada ao
viúvo.
Em sequência, deu-se início ao
inventário judicial, no qual foi requerida a partilha de bens – um imóvel e
cotas socias de três empresas –, tendo aquele juízo determinado o processamento
da apuração de haveres em três novos processos (distribuídos por dependência).
No entanto, por se tratar de sucessão
simples, envolvendo herdeiros maiores, capazes e concordes, diante das novas
diretrizes da Corregedoria-Geral do Estado, a despeito de existir testamento já
cumprido, requereram os interessados a extinção do feito e a autorização para
que o processamento do inventário e da partilha de bens ocorresse de forma
extrajudicial.
O magistrado de piso indeferiu o
pleito, pelos seguintes fundamentos:
A pretensão deduzida encontra
sólido obstáculo no comando contido no artigo 610 do novo CPC, dispositivo esse
que repete integralmente o disposto no artigo 982 do CPC revogado, e determina
a abertura de inventário judicial em havendo testamento, não contrariado por
qualquer norma processual. Outrossim, ainda que se empreste equivocada
interpretação aquela norma, data venia, é de se observar que a lei determina
que é o juiz que 'deve dar a interpretação da cláusula testamentária que melhor
assegure a observância da vontade do testador' (artigo 1899); que trata da
'escolha do legado' (artigo 1930); que declara a 'caducidade' (artigo 1930);
que decide sobre o 'direito de acrescer' (artigo 1941); que decide acerca da
'redução das disposições testamentárias' (artigo 1966); sobre o 'registro
(artigo 1979); que é o juiz que 'nomeia o testamenteiro, na falta de indicado ou
cônjuge' (artigo 1984); e que é o juiz que fixa o prêmio ou vintena' (artigo
1987). E todas essas questões são próprias do processo de inventário judicial,
empeço a que se adote o inventário extrajudicial. Por esses motivos, indefiro a
pretensão deduzida, e determino o prosseguimento do feito.
Interposto agravo de instrumento,
a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou
provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO
QUE INDEFERIU O PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL PARA O PROCESSAMENTO DO INVENTÁRIO
ANTE A EXISTÊNCIA DE TESTAMENTO. DECISÃO QUE NÃO MERECE SER REFORMADA.
INTELIGÊNCIA DO ART. 610 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO § 1°, ANTE A
EXISTÊNCIA DE TESTAMENTO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (fls. 43-51)
Irresignados, interpõem recurso
especial com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, por
negativa de vigência ao art. 610 e § 1°, do CPC⁄15, além de dissídio
jurisprudencial.
Sustentam que, "apesar do
teor do caput do artigo 610 do novo CPC, o § 1° expressamente permite o
processamento do inventário pela via extrajudicial, desde que sejam os
herdeiros capazes e concordes"; em verdade "o único impedimento para
a aplicação do referido parágrafo primeiro é a existência de incapaz e não a de
testamento".
Destacam que o Tribunais pátrios,
por meio de provimento de suas Corregedorias de Justiça, têm admitido o
inventário extrajudicial, ainda que envolva testamento, haja vista a celeridade
alcançada e a garantia de liberdade de escolha dos herdeiros, considerando, na
espécie, que o viúvo-meeiro conta com 85 anos de idade.
Argumentam que "este
procedimento torna mais rápido o cumprimento do testamento, trazendo visíveis
benefícios aos interessados, evitando desnecessárias formalidades e desafogando
a enormidade de ações que assoberbam o Poder Judiciário, que ficará responsável
por processar apenas aqueles inventários em que houver menores e⁄ou conflitos
entre os herdeiros".
O recurso recebeu crivo de
admissibilidade positivo na origem (fls. 105-109).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.808.767 -
RJ (2019⁄0114609-4)
RELATOR : MINISTRO LUIS
FELIPE SALOMÃO
RECORRENTE : SAMUEL CUKIERMAN
RECORRENTE : MAURO CUKIERMAN
RECORRENTE : ROGERIO
CUKIERMAN
ADVOGADOS : SÉRGIO
SENDER - RJ033267
MÔNICA SENDER - RJ055404
RECORRIDO : NÃO INDICADO
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E
PROCESSO CIVIL. SUCESSÕES. EXISTÊNCIA DE TESTAMENTO. INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL.
POSSIBILIDADE, DESDE QUE OS INTERESSADOS SEJAM MAIORES, CAPAZES E CONCORDES,
DEVIDAMENTE ACOMPANHADOS DE SEUS ADVOGADOS. ENTENDIMENTO DOS ENUNCIADOS 600 DA
VII JORNADA DE DIREITO CIVIL DO CJF; 77 DA I JORNADA SOBRE PREVENÇÃO E SOLUÇÃO
EXTRAJUDICIAL DE LITÍGIOS; 51 DA I JORNADA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL DO CJF;
E 16 DO IBDFAM.
1. Segundo o art. 610 do CPC⁄2015
(art. 982 do CPC⁄73), em havendo testamento ou interessado incapaz,
proceder-se-á ao inventário judicial. Em exceção ao caput, o § 1° estabelece,
sem restrição, que, se todos os interessados forem capazes e concordes, o
inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual
constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para
levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
2. O Código Civil, por sua vez,
autoriza expressamente,
independentemente da existência de testamento, que, "se os
herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha amigável, por escritura
pública, termo nos autos do inventário, ou escrito particular, homologado pelo
juiz" (art. 2.015). Por outro lado, determina que "será sempre
judicial a partilha, se os herdeiros divergirem, assim como se algum deles for
incapaz" (art. 2.016) – bastará, nesses casos, a homologação judicial
posterior do acordado, nos termos do art. 659 do CPC.
3. Assim, de uma leitura
sistemática do caput e do § 1° do art. 610 do CPC⁄2015, c⁄c os arts. 2.015 e
2.016 do CC⁄2002, mostra-se possível o inventário extrajudicial, ainda que
exista testamento, se os interessados forem capazes e concordes e estiverem
assistidos por advogado, desde que o testamento tenha sido previamente
registrado judicialmente ou haja a expressa autorização do juízo competente.
4. A mens legis que autorizou o
inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário, afastando
a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela judicial,
assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das partes.
Deveras, o processo deve ser um meio, e não um entrave, para a realização do
direito. Se a via judicial é prescindível, não há razoabilidade em proibir, na
ausência de conflito de interesses, que herdeiros, maiores e capazes,
socorram-se da via administrativa para dar efetividade a um testamento já tido
como válido pela Justiça.
5. Na hipótese, quanto à parte
disponível da herança, verifica-se que todos os herdeiros são maiores, com
interesses harmoniosos e concordes, devidamente representados por advogado.
Ademais, não há maiores complexidades decorrentes do testamento. Tanto a Fazenda
estadual como o Ministério Público atuante junto ao Tribunal local concordaram
com a medida. Somado a isso, o testamento público, outorgado em 2⁄3⁄2010 e
lavrado no 18° Ofício de Notas da Comarca da Capital, foi devidamente aberto,
processado e concluído perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões.
6. Recurso especial provido.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE
SALOMÃO (Relator):
2. Cinge-se a controvérsia em
definir se é possível o processamento do inventário extrajudicial quando há
testamento do falecido, notadamente em se tratando de interessados maiores,
capazes e concordes, devidamente acompanhados de seus patronos.
O Tribunal de origem, por
maioria, seguindo a interlocutória de piso, decidiu pela impossibilidade do
inventário administrativo, pelos seguintes fundamentos:
Inicialmente, destaco ter sido
designado como Relator no presente recurso, restado vencido o Des. Jessé
Torres. Outrossim, destaco que os requisitos de admissibilidade já foram
apreciados pelo Des. Relator, dispensando-se nova análise.
No caso em tela os recorrentes
almejam dar cumprimento à ultima vontade da testadora quanto à partilha dos
bens, procedendo os herdeiros a juntada da certidão do RGI do imóvel e dos
contratos sociais das três empresas, não tendo havido até a presente data a
nomeação de inventariante. Destacaram que ante a demora no trâmite judicial dos
inventários referentes a apuração de haveres das cotas sociais das empresas
inventariadas optaram por promover o inventário e a partilha dos bens pela via extrajudicial,
com a finalidade de tornar mais célere o cumprimento de última vontade da
testadora.
Entendo, em dissonância com o
aduzido pelo Relator originário que resta inviável a pretensão dos recorrentes
no sentido de procederem ao inventário pela via extrajudicial, haja vista a
existência de disposição de última vontade do de cujus o que implica na
aplicação do disposto no art. 610 do CPC, sendo certo que o § 1° do referido
art. 610 não incide nos casos em que exista testamento, sendo esta a mens legis.
Diante do exposto, VOTO NO
SENTIDO DE CONHECER O RECURSO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, MANTENDO-SE A R. DECISÃO
VERGASTADA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO SUPRA.
O voto vencido, por sua vez,
asseverou que:
Cuida-se de agravo de instrumento
deduzido nos autos de inventário em trâmite perante o Juízo da 2ª Vara de
Órfãos e Sucessões da Comarca da Capital, contra decisão que indeferiu o
processamento do inventário e da partilha de bens pela via extrajudicial, como
requerido pelos herdeiros, ora agravantes.
A interlocutória hostilizada
(pasta 29, anexo 1) rejeitou a pretensão nos seguintes termos:
[...]
Narram os agravantes que, no
inventário judicial em trâmite, pretendem dar cumprimento à ultima vontade da
testadora quanto à partilha dos bens, tendo procedido à juntada da certidão do
RGI do imóvel e dos contratos sociais das três empresas, não tendo havido a
nomeação de inventariante até a presente data.
Requereram a apuração de haveres
das cotas sociais das empresas inventariadas, tendo o Juízo a quo determinado o
processamento de cada qual separadamente, em três novos processos, distribuídos
por dependência ao do inventário. Tendo em vista a demora no processamento de
todas as demandas, e de serem os herdeiros maiores, capazes, representados
pelos mesmos patronos, com interesses harmoniosos e concordes, postularam o
processamento do inventário e da partilha de bens pela via extrajudicial, com a
finalidade de tornar mais célere o cumprimento da última vontade da testadora.
A decisão ora agravada indeferiu tal pleito e determinou o prosseguimento do
inventário em sede judicial.
A Procuradoria de Justiça em
atuação perante esta Corte opina pelo conhecimento e provimento do recurso
(pasta 33), verbis:
"Agravo de Instrumento.
Inventário. Testamento. Decisão agravada que indeferiu o pedido de realização
do inventário e da partilha por instrumento público. Possibilidade de
inventário pela via extrajudicial quando existir testamento. Interpretação do
art. 610, §1°, do Código de Processo Civil. Enunciado 600 do CJF. Enunciado 16
do IBDF. Art. 297, §1°, da Consolidação Normativa da CGJ.
Parecer pelo conhecimento e
provimento do recurso."
Com razão os agravantes.
O testamento público, outorgado
aos 02.03.2010, foi aberto, processado e concluído perante o Juízo de Direito
da 2ª Vara de Órfãos e Sucessões sob o n° 0132492-26.2015.8.19.0001 (pasta 106
do anexo 01). O inventário judicial (processo n° 0168997-16.2015.8.19.0001)
encontra-se em fase de avaliação de bens e apuração de haveres. Dispõe o artigo
610, § 1°, do CPC ⁄15:
Art. 610. Havendo testamento ou
interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.
§ 1° Se todos forem capazes e
concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública,
a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para
levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
O Provimento n° 21⁄2017, da
Corregedoria Geral de Justiça deste Estado, alterou o art. 297 da respectiva
Consolidação Normativa, que passou à seguinte redação, verbis:
"Art. 297. A escritura
pública de inventário e partilha conterá a qualificação completa do autor da
herança; o regime de bens do casamento; pacto antenupcial e seu registro
imobiliário se houver; dia e lugar em que faleceu o autor da herança; data da
expedição da certidão de óbito; livro, folha, número do termo e unidade de
serviço em que consta o registro do óbito, além da menção ou declaração dos
herdeiros de que o autor da herança não deixou testamento e outros herdeiros,
sob as penas da lei.
§ 1. Diante da expressa
autorização do juízo sucessório competente nos autos da apresentação e
cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes,
poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qua
constituirá título hábil para o registro."
No mesmo sentido estabelecem o
Enunciado n° 600, aprovado na VIII Jornada de Direito Civil, bem como o
Enunciado n° 16, do Instituto Brasileiro de Direito da Família, ambos de 2015:
"Enunciado 600: Após
registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e
concordes com os seus termos, não havendo conflitos de interesses, é possível
que se faça o inventário extrajudicial".
"Enunciado 16: Mesmo quando
houver testamento, sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus
termos, não havendo conflitos de interesses, é possível que se faça o
inventário extrajudicial".
No caso em testilha, sendo todos
os herdeiros maiores, capazes, representados pelos mesmos patronos, com
interesses harmoniosos e concordes, a partilha de bens poderá ser feita por
escritura pública em cartório extrajudicial, mediante acordo e expressa
autorização do juízo sucessório. Averbem-se precedentes deste TJRJ, em casos de
idêntico teor, de todo aqui aplicáveis, vg:
[...]
Daí votar por que se dê
provimento ao recurso, para que seja autorizada a realização do inventário pela
via extrajudicial, nos termos do art. 610, § 1°, do CPC⁄15.
3. Nesse passo, observo que o
testamento é um negócio jurídico pelo qual a pessoa capaz faz disposições de
caráter patrimonial ou extrapatrimonial, para depois de sua morte (CC, art.
1857), fazendo o testador amplo exercício de sua autonomia de vontade, seja
quanto ao patrimônio seja em relação às questões existenciais, respeitados os
limites da norma.
Com a morte, por meio da saisine,
transmite-se a herança aos sucessores legítimos e testamentários, momento em
que a universalidade de bens é definida em sua composição, por meio do
inventário, bem como há a individualização da cota hereditária em relação a
cada sucessor, por intermédio da partilha.
Nessa ordem de ideias, a Lei n.
11.441⁄2007, em normativo inovador, seguindo a linha da desjudicialização que
atinge diversos países do mundo, autorizou a realização de alguns atos de
jurisdição voluntária pela forma extrajudicial. A Resolução n. 35⁄2007, do CNJ,
disciplinou especificamente o inventário e a partilha pela via administrativa,
sem afastar, por óbvio, a via judicial, haja vista não se tratar de
procedimento obrigatório.
Deveras, a partilha extrajudicial
é instituto crescente e cada vez mais consagrado no direito comparado:
O Código Civil francês, artigo
819, prevê: "Si tous les héritiers sont présents et capables, le partage
peut être fait dans la forme et par tel acte que les parties jugent
convenables" ("Se todos os herdeiros estão presentes e são capazes, a
partilha pode ser feita na forma e pelo ato que as partes julguem
conveniente"). O Código Civil português, artigo 2.102,1, afirma que a
partilha pode fazer-se extrajudicialmente, quando houver acordo de todos os
interessados, ou por inventário judicial, nos termos previstos na lei do
processo; a partilha extrajudicial deve ser feita por escritura pública se na
herança existirem bens imóveis, como exige o Código do Notariado. O Código
Civil espanhol, artigo 1.058, permite que a partilha da herança seja feita
extrajudicialmente, se os herdeiros forem maiores, tiverem a livre
administração de seus bens e houver acordo unanime {nemim discrepante) de todos
eles. O artigo 3.462 do Código Civil argentino, reformado pela Lei n°
17.711⁄68, admite a partilha extrajudicial ou privada, que pode ser feita pelos
herdeiros presentes e capazes, desde que haja acordo entre eles. Na Suíça, o
artigo 607, 2, do Código Civil, estabelece o princípio da liberdade da
convenção em matéria de partilha. No mesmo sentido: artigo 2.530 do Código
Civil paraguaio; artigo 853 do Código Civil peruano; artigo 907,1, do Código
Civil japonês; artigo 838, al. 1, do Código Civil de Québec. O artigo 2.048 do
Código Civil alemão (BGB) e o artigo 733, II, do Código Civü italiano afirmam
que o testador pode determinar que a partilha seja feita segundo o critério
(que deve ser equitativo, justo) de um terceiro. (VELOSO, ZENO. Lei n° 11.441,
de 04.01.2007 – Aspectos práticos da separação, divórcio, inventário e partilha
consensuais. In: Família e responsabilidade. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira.
Porto Alegre: Magister⁄IBDFAM, 2010, p. 115)
O advento do novo Código de
Processo Civil trouxe consigo a concretização de importantes mecanismos de
pacificação, inclusive em relação às serventias extrajudiciais, enfatizando a
desjudicialização da contenda.
Com relação especificamente ao
inventário extrajudicial, o Código cristalizou o tema sem exauri-lo, definindo
a escritura pública como o meio formal adequado ao seu processamento,
equiparando-a "à sentença judicial quanto à sua eficácia executiva"
(NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado.
Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1025).
4. A dicção do art. 610 do
CPC⁄2015 (art. 982 do CPC⁄73) é a seguinte:
Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz,
proceder-se-á ao inventário judicial.
§ 1o Se todos forem capazes e concordes, o
inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual
constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para
levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2o O tabelião somente lavrará a escritura
pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou
por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
Em relação ao contexto da norma,
ainda quando da entrada em vigor da Lei n. 11.441⁄2007, pontuou Zeno Veloso
que:
Não há nenhum exagero ao afirmar
que a Lei n° 11.441⁄07 é de extrema importância, introduziu um avanço notável,
representa verdadeiro marco no Direito brasileiro, porque faculta aos
interessados adotar um procedimento abreviado, simplificado, fora do Poder
Judiciário, sem burocracia, sem intermináveis idas e vindas. O cidadão passou a
ter razoável certeza do momento em que começa e da hora em que acaba o
procedimento, a solução de seu problema. E isso é fundamental, sobretudo quando
se trata de superar a crise dolorosa e aduda na relação familiar. (Lei n°
11.441, de 04.01.2007 – Aspectos práticos da separação, divórcio, inventário e
partilha consensuais. In: Família e responsabilidade. Coord. Rodrigo da Cunha
Pereira. Porto Alegre: Magister⁄IBDFAM, 2010, p. 103)
De fato, deve-se ter em mente que
o norte interpretativo de todos os diplomas citados foi o de fomentar a
utilização dos procedimentos com reflexos na ordem social, econômica e
jurídica, diante das "reduções de burocracias e de formalidades para os
atos de transmissão hereditária, bem como a celeridade, na linha da tendência
atual de desjudicialização das contendas e pleitos" (TARTUCE, Flávio.
Direito Civil: direito das sucessões, Vol. 6, Rio de Janeiro: Forense, 2018, p.
589).
Ademais, na linha do art. 5° da
LINDB e dos arts. 3°, § 2°, 4° e 8° do novo CPC, os fins sociais e as
exigências do bem comum em relação à norma autorizativa de inventário
extrajudicial são a redução de formalidades e burocracias, com o incremento do
maior número de procedimentos e de solução de controvérsias por meios
alternativos ao aparato estatal.
Nesse contexto, havendo a morte e
estando todos os herdeiros e interessados, maiores e capazes, de pleno e comum
acordo quanto à destinação e partilha dos bens, não haverá necessidade de
judicialização do inventário, podendo a partilha ser definida e formalizada
conforme a livre vontade das partes no âmbito extrajudicial.
Foi autorizada, assim, a via
extrajudicial do inventário mediante a lavratura de escritura pública, cujo
pressuposto-base é a ausência de litigiosidade e que os envolvidos sejam
capazes e estejam de acordo com a vontade manifestada pelo testador.
No entanto – e aqui reside a
polêmica – a redação do dispositivo deixa margem à dúvida, que, no limite, pode
inviabilizar o processamento do inventário extrajudicial quando há disposição
de última vontade do de cujus. Penso que o só fato de existir testamento não
pode ser impeditivo para que o inventário siga pela via administrativa.
Data venia, não parece razoável
obstar a realização do inventário e da partilha por escritura pública quando há
registro judicial do testamento (já que haverá definição precisa dos seus
termos) ou autorização do juízo sucessório (ao constatar que inexistem
discussões incidentais que não possam ser dirimidas na via administrativa), sob
pena de violação a princípios caros de justiça, como a efetividade da tutela
jurisdicional e a razoável duração do processo.
Decorrente da própria técnica
legislativa, o caput do dispositivo de lei deve ser tido como o responsável
pela ideia central do artigo, cabendo aos parágrafos a definição dos seus
desdobramentos, explicações, complementações, condições e exceções à cabeça do
dispositivo.
Com efeito, "os parágrafos
têm por finalidade explicar ou modificar a regra constante do artigo ao qual se
submetem. Possuem função de escrita secundária e não devem estabelecer regra
geral. As alíneas, incisos e itens devem ter apenas uma função esclarecedora ou
enunciativa" (VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito:
primeiras linhas. São Paulo: Atlas, 2006, p. 209).
Nessa ordem de ideias, o caput do
art. 610 estabelece a regra: em havendo testamento ou interessado incapaz, o
inventário se dará pela via judicial. Não obstante, conforme exceção à regra
disposta no § 1°, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura
pública sempre que os herdeiros forem capazes e concordes e não façam nenhuma
restrição, o que engloba, por óbvio, a situação em que exista testamento.
Ademais, o Código Civil autoriza
expressamente, independentemente da
existência de testamento, que, "se os herdeiros forem capazes, poderão
fazer partilha amigável, por escritura pública, termo nos autos do inventário,
ou escrito particular, homologado pelo juiz" (art. 2.015). Por outro lado,
determina que "será sempre judicial a partilha, se os herdeiros
divergirem, assim como se algum deles for incapaz" (art. 2.016). Bastará,
nesses casos, a homologação judicial posterior do acordado, nos termos do art.
659 do CPC.
Aliás, importante destacar que,
antes mesmo da Lei n. 11.441⁄2007, o notário já lavrava escrituras públicas de
partilha amigável, ainda que houvesse testamento, desde que a escritura fosse
submetida à homologação do juiz.
É o destaque da doutrina:
De modo que, se antes da vigência
da lei era possível a prática do ato notarial, não há razão para sustentar que
desde o dia 5 de janeiro de 2007 não é mais possível a realização de inventário
e partilha por escritura pública quando houver testamento, devendo ficar a
ressalva de que, nesses casos, a escritura precisa ser homologada
judicialmente. Interpretar de outro modo seria até mesmo absurdo, pois, nesse
caso, o notário teria competência legal exclusiva para elaborar o testamento
público e não poderia elaborar a escritura pública de partilha. (CAHALI,
Francisco José [et al.]. Escrituras públicas: separação, divórcio, inventário e
partilha consensuais. São Paulo: RT, 2008, p. 66).
Assim, a mens legis que autorizou
o inventário extrajudicial foi justamente a de desafogar o Judiciário,
afastando a via judicial de processos nos quais não se necessita da chancela
judicial, assegurando solução mais célere e efetiva em relação ao interesse das
partes.
Realmente, "entre maiores e
capazes que se acham em pleno acordo quanto ao modo de partilhar o acervo
hereditário, nada recomenda ou justifica o recurso ao processo judicial e a
submissão a seus custos, sua complexidade e sua inevitável demora. Por outro
lado, a retirada do inventário da esfera judicial contribui para aliviar a
justiça de uma sobrecarga significativa de processos. Essa sistemática,
portanto, só merece aplausos" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito
processual civil, v. 2, Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 257).
Por óbvio, sempre será possível a
discussão judicial de eventuais controvérsias a respeito da validade do
testamento ou de alguma de suas cláusulas. Da mesma forma, "a existência
de débitos do autor da herança, bem como de eventual direito de terceiros, não
impedem a lavratura da escritura pública amigável de inventário e partilha.
Contudo, ficam ressalvados esses eventuais direitos porque o sistema jurídico
brasileiro não admite sejam realizados negócios jurídicos em fraude contra
credores, que ficam sujeitos à anulação (CC 158), nem em fraude de execução,
que são ineficazes relativamente à ação judicial pendente quando da alienação
ou oneração do bem (CPC, 792)" (NERY JR. Nelson. Comentários ao Código de
Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1.432).
Nessa esteira, "todo
testamento, para o seu cumprimento, deve, antes de mais nada, ser registrado em
juízo, ou seja, em processo judicial específico, regulado pelos arts. 1.225 a
1.129 do Código de Processo Civil de 1973 (arts. 735 a 737 do CPC de
2015)".
Deveras, o inventário
extrajudicial com testamento exige o provimento judicial para o ato de
abertura, registro e cumprimento de testamento. "Nesse ato de abertura e
registro de testamento, que é judicial, possíveis vícios formais serão
apreciados e o testamento somente será executado se atender os requisitos
formais. Assim, de um modo ou de outro, o inventário extrajudicial somente
poderá ser iniciado após o registro do testamento e da ordem de cumprimento em
processo judicial específico" (FIGUEIREDO, Ivanildo. Inventário
extrajudicial na sucessão testamentária: possibilidade, legalidade, alcance e
eficácia. Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões n. 8 -
set.⁄out.⁄2015, pp. 97-98).
No mesmo sentido, é a lição de Cristiano
Chaves:
Todavia, em proibição pouco
coerente, a legislação não admite o uso da via administrativa de inventário se
o falecido deixou testamento. Nesse caso, imperativo o manejo de inventário em
juízo, por conta da necessidade de prévia homologação do testamento. O
argumento não convence. Ora, o que se mostra necessário proceder em juízo é a
homologação do testamento. Assim, se o testamento já foi homologado
judicialmente, garantida está a sua idoneidade, não se vislumbra qualquer óbice
a impedir a partilha amigável, entre capazes, pela via cartorária.
Injustificável, portanto, a vedação. (Curso de direito civil: sucessões.
Salvador: Juspodvm, 2016, p. 518)
De outra parte, o processamento
do inventário extrajudicial sempre exigirá a assistência e o acompanhamento de
advogado ou defensor público. Com efeito, não obstante o testamento, "o
inventário extrajudicial exige a concordância de todos os interessados com os
termos da partilha dos bens, os quais devem ser assistidos pelos seus
advogados, garantia de segurança quanto ao conhecimento dos direitos e
obrigações de cada um" (ARAÚJO, Luciano Vianna. Comentários ao Código de
Processo Civil. Coord. Cassio Scarpinella Bueno. São Paulo: Saraiva, 2017, p.
178).
Em se tratando de direitos
disponíveis, não há razão de ordem pública para proibir o inventário
extrajudicial quando o testamento já tiver sido homologado judicialmente, até
porque o herdeiro maior e capaz nem sequer é obrigado a receber o seu quinhão
hereditário estipulado pelo testador.
Ainda porque, ao lavrar o
testamento – ato solene por natureza –, o notário o faz com a observância de
todas as suas formalidades, sendo efetivado na presença do testador e de duas
testemunhas, discutido, lido, escrito e assinado no livro de notas, com a
certeza e a segurança de assim representar a vontade manifestada pelo testador
(CC, art. 1.864), além do absoluto cuidado e elevado grau de segurança na
qualificação do testador, na aferição da sua capacidade e do seu discernimento,
na limitação do seu poder de disposição, com respeito, inclusive, à legítima
dos herdeiros necessários (CC, art. 1.857, § 1º).
A doutrina bem destaca a atuação
do referido profissional:
O tabelião, ao colher a
declaração de vontade e lavrar o testamento, representa o principal agente
formalizador do ato, como titular da fé pública. Não serão as testemunhas
instrumentárias que poderão, futuramente, comprovar ou afirmar a existência
real do ato de testamento lavrado no cartório de notas, perante o tabelião.
Tampouco o Juiz ou o representante do Ministério Público poderão expressar a
vontade do testador em vida, visto que sequer conheceram a pessoa do testador.
A responsabilidade pela certeza e pela perfeição jurídica do testamento é do
tabelião, cujo instrumento lavrado vai assegurar a perpetuação da vontade do
testador após a sua morte.
Todavia, o tabelião conheceu e
teve contato direto com o testador, quando este expressou sua vontade
testamentária para dispor dos seus bens e interesses, instituindo condições
especiais e particulares para o processamento da sua sucessão. Coube ao
tabelião, nesse contato personalíssimo com o testador, conversar, discutir e
esclarecer os requisitos estabelecidos em lei para o ato de testar, explicando
sobre a limitação do poder de disposição, esclarecendo a respeito da intangibilidade
da legítima dos herdeiros necessários. Assim, ainda que o inventário
extrajudicial venha a ser processado, no futuro, por outro tabelião que não
tenha lavrado o testamento, os critérios de elaboração e formalização do
testamento adotados foram os mesmos, o grau de segurança jurídica esteve
garantido pelo cumprimento de todas as solenidades definidas e exigidas no art.
1.864 do Código Civil. (FIGUEIREDO, Ivanildo. ob.cit., p. 95-96).
5. Assim, de uma leitura
sistemática do caput e do § 1° do art. 610, do CPC⁄2015, penso ser possível o
inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os interessados forem
capazes e concordes e estiverem assistidos por advogado, desde que o testamento
tenha sido previamente registrado judicialmente ou haja a expressa autorização
do juízo competente .
Com efeito, penso que a só
existência de testamento não pode servir de motivo para impedir que o
inventário seja levado a efeito administrativamente. "Não existindo
litígio ou conflito de interesses, sendo todas as partes maiores e capazes,
nada mais justifica, pois, que tais questões continuem a ser levadas ao Poder
Judiciário, que, na maioria desses casos, terá sua função limitada a mero papel
homologatório, de chancelar aquilo que já foi decidido pela livre-vontade das
partes" (FIGUEIREDO, Ivanildo. ob.cit., p. 90).
Ora, o processo deve ser um meio,
e não um entrave, para a realização do direito. Se a via judicial é
prescindível, não há razoabilidade em proibir, na ausência de conflito de
interesses, que herdeiros, maiores e capazes, socorram-se da via administrativa
para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça.
Trata-se, aliás, do
posicionamento amplamente aceito pela doutrina e pela jurisprudência, na dicção
de diversos enunciados e provimentos das Corregedorias dos Tribunais.
Confira-se:
– Enunciado n. 600 da VII Jornada
de Direito Civil do CJF: "Após registrado judicialmente o testamento e
sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo
conflito de interesses, é possível que se faça o inventário
extrajudicial."
– Enunciado n. 77 da I Jornada
sobre Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios: "Havendo registro ou
expressa autorização do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento
de abertura e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e
concordes, o inventário e partilha poderão ser feitos por escritura pública,
mediante acordo dos interessados, como forma de pôr fim ao procedimento
judicial."
– Enunciado n. 51 da I Jornada de
Direito Processual Civil do CJF: "Havendo registro judicial ou autorização
expressa do juízo sucessório competente, nos autos do procedimento de abertura,
registro e cumprimento de testamento, sendo todos os interessados capazes e
concordes, poderão ser feitos o inventário e a partilha por escritura
pública."
– Enunciado n. 16 do IBDFAM:
"Mesmo quando houver testamento, sendo todos os interessados capazes e
concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível
que se faça o inventário extrajudicial."
Ademais, já é a realidade adotada
pelas Corregedorias dos Tribunais do país, que vêm autorizando o inventário
extrajudicial, ainda que presente disposição de última vontade (testamento),
desde que os interessados sejam capazes e concordes, como soem, por exemplo, as
determinações do TJSP (Provimento n. 37 da Corregedoria-Geral), do TJRJ (nova
redação do art. 297, § 1°, da Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral -
Provimento n. 21⁄2017), do TJPB (art. 310 do Código Geral de Normas Judicial e
Extrajudicial da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado da
Paraíba) e do TJPR (Ofício-circular 155⁄2018 da Corregedoria da Justiça do
Paraná).
Também é o entendimento da
doutrina especializada:
Se houver testamento com conteúdo
patrimonial, pode-se fazer partilha por escritura pública se herdeiros forem
capazes, seguida de homologação judicial. É possível o inventário extrajudicial
ainda que haja testamento, desde que previamente registrado em juízo ou
homologado posteriormente pelo juízo competente (Enunciado n. 1 do Colégio
Notarial do Brasil) [...] Realmente, a existência de testamento não deveria
coibir inventário extrajudicial, desde que haja: a) homologação judicial do ato
de última vontade; b) plena capacidade dos herdeiros; c) ausência de conflito
entre os interessados; e d) invocação da cláusula geral de negócios processuais
atípicos (CPC, art. 190). (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: vol. 6:
direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 446)
_________________
Com o devido respeito, os
diplomas legais que exigem a inexistência de testamento para que a via
administrativa do inventário seja possível devem ser mitigados, especialmente
nos casos em que os herdeiros são maiores, capazes e concordam com esse caminho
facilitado. Nos termos do art. 5° da Lei de Introdução, o fim social da Lei
11.441⁄2007 foi a redução de formalidades, devendo essa sua finalidade sempre
guiar o intérprete do Direito. O mesmo deve ser dito quanto ao Novo CPC,
inspirado pelas máximas de desjudicialização e de celeridade. (TARTUCE, Flávio.
Direito Civil: direito das sucessões, Vol. 6, Rio de Janeiro: Forense, 2018, p.
548)
_________________
Nos termos da Lei n° 11.441⁄07, o
inventário e partilha por escritura pública só podem ser feitos se todos os
interessados forem capazes e concordes, devendo estar assistidos por advogado.
Mas a utilização deste expediente, extrajudicial, não pode ocorrer se o
falecido deixou testamento. Não importa a forma do testamento – ordinário ou
especial – ou da natureza das disposições testamentárias, ou de o testamento já
ter sido registrado ou confimado em juízo e com o 'cumpra-se' do juiz (CPC,
arts. 1.125 a 1.134). Dada a expressa vedação legal, não há como fugir à
conclusão de que a existência do testamento impede a utilização da partilha
extrajudicial. Mas, se os herdeiros forem capazes, poderão fazer partilha
amigável, por escritura pública, na forma do art. 2.015 do Código Civil, mesmo
que o autor da herança tenha deixado testamento, todavia, como prevê o art.
1.0131 do CPC [art. 659 do novo CPC] – com a redação dada pelo art. 2° da Lei
n° 11.441⁄07 –, a partilha, neste caso, tem de ser homologada pelo juiz.
Entretanto, o falecido pode ter morrido sem testamento, mas ter deixado um
codicilo (Código Civil, art. 1.881), que é disposição de última vontade, de
conteúdo e objeto limitados, e testamento não é. Penso que, neste caso, é
possível fazer-se a partilha extrajudicial, por escritura pública. (cf. Juliana
da Fonseca Bonates, Separação, divórcio, partilhas e inventários
extrajudiciais, coordenadores Antônio Carlos Mathias Coltro e Mário Luiz
Delgado, São Paulo: Editora Método,
007, p. 318). (VELOSO, ZENO. Lei n° 11.441, de 04.01.2007 – Aspectos práticos da separação, divórcio, inventário e partilha consensuais. In: Família e responsabilidade. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Porto Alegre: Magister⁄IBDFAM, 2010, p. 114)
_________________
Unicamente quando da existência
de testamento, ou de incapazes, ou de falta de acordo, é obrigatória a via
judicial. Na existência de testamento, entretanto, passou a entender-se a
possibilidade da escritura pública, bastando, em passo posterior, a mera
homologação do juiz. (RIZZARDO, Arnaldo. Direito das sucessões. Rio de Janeiro:
Forense, 2018, p. 604)
Não se pode olvidar que a
partilha amigável feita pelos serviços notariais e registrais, além de
aprimorar a justiça colaborativa, permite que o jurisdicionado e os advogados
tenham "um ambiente com acessibilidade e segurança jurídica, além de baixo
custo e celeridade" (SILVA, Érica Barbosa e. O novo CPC e o inventário
extrajudicial - uma análise crítica. Revista Nacional de Direito de Família e
Sucessões n. 10 - jan.⁄fev.⁄2016, p. 201).
6. No caso dos autos, quanto à
parte disponível da herança, verifica-se que todos os herdeiros são maiores,
com interesses harmoniosos e concordes, devidamente representados por advogado.
De resto, não há maiores complexidades decorrentes do testamento, já que,
"conforme disposto no testamento de fls. 101⁄103 do anexo, é importante
destacar que a falecida legou a parte disponível de todos os bens que possui ou
venha possuir para seu marido Samuel Cukierman, incluindo nesta parte, as ações
do Centro de Correção Ocular Ltda., dos Serviços Médicos Oftalmológicos Ltda.,
e as ações do Pro-Oftalmo MicroCirurgia Ocular, e que a legítima de seus filhos
Rogério e Mauro deverá recair na parte que a testadora possui no imóvel na Rua
Marechal Taumaturgo n° 205 casa 1, Teresópolis" (fl. 39).
Tanto a Fazenda Estadual como o
Ministério Público atuante junto ao Tribunal local concordaram com a medida.
Somado a isso, o testamento
público, outorgado em 2⁄3⁄2010, lavrado no 18° Ofício de Notas da Comarca da
Capital, folhas 199⁄200, Livro 76T, foi devidamente aberto, processado e concluído
perante a 2ª Vara de Órfãos e Sucessões sob o n. 0132492-26.2015.8.19.0001.
Portanto, segundo penso, não há
razão para indeferir o processamento do inventário extrajudicial.
7. Ante o exposto, dou provimento
ao recurso especial para autorizar que o inventário dos recorrentes ocorra pela
via extrajudicial.
É o voto.
Documento: 101799779 RELATÓRIO, EMENTA E VOTO
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