RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
A doutrina
nacional diverge quanto ao nome atribuído para a responsabilidade do Estado,
por exemplo:
Responsabilidade Extracontratual
do Estado (Maria Sylvia Z. Di Pietro),
Responsabilidade
Civil da Administração (Hely Lopes Meirelles),
Responsabilidade Civil do Estado (José dos Santos Carvalho Filho),
Responsabilidade Patrimonial Extracontratual
do Estado por Comportamento Administrativos (Celso Antônio Bandeira de
Mello); no entanto, poder ser definida
como a obrigação que o Estado tem em reparar terceiros por danos comprovados e imputáveis
à pessoa jurídica de direito público, podendo ser objeto de ação ou omissão do
ente público, por seus servidores ou responsáveis.
Essa
responsabilidade divide-se, porém, em responsabilidade
contratual, que é quando o ato é
oriundo de um contrato e responsabilidade
extracontratual, quando oriundo de dano
causado por comportamento de preposto do Estado ou de quem faça as vezes,
podendo o dano ser causado por comportamento dos Poderes Legislativo e
Executivo e, também, por ato que envolva o Poder Judiciário.
O Estado quando delega
seus serviços públicos não está isento de responsabilidade por atos de seus
delegatários, isso pelo
princípio da solidariedade,
pois todos devem responder por qualquer dano causado a terceiros quando a
atividade pública beneficia a todos
.
Não importando se
o ato é lícito ou ilícito, desde que antijurídico e causador de danos anormal e
específico; ainda a prática de atos materiais ou mesmo atos jurídicos praticados,
causadores de lesão a terceiros, são passíveis de indenização. Quem causa
prejuízo está obrigado a reparar os danos, portanto quando preposto do Estado causa
prejuízo este é responsável pelos danos.
A doutrina
ocidental tem destacado a evolução que passa o tema responsabilidade do Estado.
Atribui-se diversas regras para definir o caminho correto para a
responsabilidade, passando, há tempos pela irresponsabilidade, responsabilidade
subjetiva, teorias da culpa, risco integral ou administrativo, enfim, a evolução
deveu-se ao tempo como meio de correção das diversas distorções doutrinárias e
jurisprudenciais que colocaram o Estado como responsável por ato de seus
prepostos.
Das teorias que
se apresentaram no tempo foi, inicialmente, a teoria da irresponsabilidade que prevaleceu até a metade do século
XIX. Tinha como princípio a isenção do Estado por quaisquer danos causados a
terceiros por seus agentes, não importava o grau de culpa ou dolo na prática do
ato. Por sua ampla gama de injustiças cometidas, não foi possível manter a
isenção do Estado frente a atos que feriam direitos dos súditos. Muitos
doutrinadores combatiam a teoria argumentando que o Estado deve tutelar o
direito e deve respeitar quem a ele se socorre, aplicando a justiça.
Com o afastamento
da teoria da irresponsabilidade passou-se a adotar a teoria da responsabilidade com culpa, ou, no dizer das diversas
correntes divergentes sobre o assunto, teoria
civilista da culpa. Para aplicação da teoria na responsabilidade estatal
dividiu-se os atos do Estado em atos de império e atos de gestão. No primeiro
caso, quando a atuação do Estado fosse atos considerados de império não haveria
qualquer tipo de indenização caso viesse a ser causado danos a terceiros, pois
seriam atos de soberania. Tal como na teoria da irresponsabilidade, o Estado
estaria isento de indenizar, pois seriam atos em favor da coletividade que
estivesse sobe a soberania estatal. Por outro lado, quando o ato fosse
considerado de gestão e tais atos viessem a causar danos a terceiros, evidentemente
que seria indenizável com a responsabilização civil.
A teoria da
responsabilidade com culpa, evidente que não prosperou pois cometia o mesmo
erro da teoria da irresponsabilidade cometendo grave erros e confusões em
decisões que deveria ser cristalinas. Mesmo não sendo adotada com a teoria para
a solução de problemas, muitos juristas continuaram acatando a responsabilidade
estatal quando fosse demonstrada a culpa.
A teoria da culpa do serviço ou
da culpa administrativa, denominada
de teorias publicistas de responsabilidade do Estado. Essa teoria
desconsiderava toda a preocupação doutrinária em atribuir ou não a culpa ou
soberania do estado na sua responsabilidade. Passou então a exigir do lesado a
prova bastante na qual o serviço público colocado à disposição dele não foi
suficiente para suas necessidades, não precisando apontar quem havia cometido o
ato. Bastava apenas comprovar que ocorreu a falta de serviço ou que o mal
funcionamento do serviço foi causador do dano. Alguns denominaram de culpa anônima
ou falta de serviço. A falta de serviço ou faute
de service entre os franceses apresenta-se de três modos: a inexistência, o mau funcionamento ou
retardamento do serviço público. Essa modalidade de responsabilidade não é
objetiva, mas sim subjetiva, pois fundada na culpa, ou seja, o lesado deveria
comprovar que o Estado agiu culposamente pela falta do serviço.
A adoção da teoria do risco, teoria que deu
fundamento ao desenvolvimento para a teoria
da responsabilidade objetiva do Estado, pode ser dividida em duas
vertentes: a primeira a do risco
administrativo admite as excludentes da responsabilidade do Estado, ou
seja, a participação total ou parcial do lesado no evento danoso não é de responsabilidade
estatal. Na hipótese da participação total não haveria indenização e na
participação parcial haveria reparação dos danos, e não será integral, mas sim atenuada;
a segunda, teoria do risco integral
não admite a adoção das excludentes da responsabilidade do Estado, ou melhor o
ente estatal seria responsável por qualquer lesão causada a terceiros, mesmo
que a causa dada fosse do lesado. Neste caso inadmissível a prova em contrário
para desconstituir a responsabilidade do Estado.
Sobre o regime
adotado pela Constituição, o art. 37, § 6º, assume e consagra a teoria do risco administrativo, pois é
claro em orientar que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”; teoria essa que
aceita a prova de culpa da vítima, podendo ser concorrente ou excludente, prevendo,
também, a ocorrência do caso fortuito ou força maior. No § 6º dois pontos ficam
evidentes: que o dano tenha sido causado por seus agentes e o direito de
regresso que possui o Estado face ao servidor que causou o dano. Uma importante
disposição encontra-se no parágrafo quando diz que os agentes públicos e
somente nessa qualidade, ou seja,
quando o agente não estiver no exercício de suas funções o Estado não arcará
com nada, necessário que esteja prestando serviços como agente do Estado.
A Constituição
Federal adotou duas importantes regras quando editou o § 6º: a primeira é a responsabilidade objetiva do Estado e a segunda,
a responsabilidade subjetiva do agente público.
Na aplicação da
teoria da responsabilidade objetiva do Estado exige-se que o ato tenha sido
praticado por agente da pessoa jurídica pública
ou
pessoa jurídica de direito privado, prestadora de serviço público. Neste caso inclui-se
como responsáveis objetivamente funcionários das empresas públicas, sociedade
de economia mista, fundações governamentais de direito privado, cartórios
extrajudiciais, enfim, toda e qualquer pessoa jurídica de direito privado que está
como delegada do Estado com o objetivo de prestar serviços públicos,
entendimento este já consolidado em nossos Tribunais
.
Já, quando o
final da redação do § 6º, ficou estabelecido o direito de regresso do Estado em
face de seu agente. Nesse caso deve-se provar a culpa do agente público, ou
seja, adota-se no direito de regresso a teoria da responsabilidade subjetiva ou
culpa. O Estado somente poderá ser ressarcido pelo agente se este causou o dano
com culpa, como a regra adotada pelo direito privado. Dessa forma, somente para
fixar, estão presentes as duas teorias: a responsabilidade objetiva do Estado e
a responsabilidade subjetiva com relação ao agente público.
Dessa maneira,
adotada a teoria da responsabilidade objetiva o lesado não precisa provar a
existência de culpa do agente público ou pelo fato do serviço. Não há que se
falar em culpa, devendo ser desconsiderado qualquer argumento nesse sentido.
São três os
pressupostos de configuração a responsabilidade objetiva: o primeiro é a ocorrência do fato administrativo, ou
seja, qualquer ação, omissão, legítima ou não, cometida singular ou
coletivamente; o segundo o dano,
pois a responsabilidade civil do Estado envolve a causa de um dano, material ou
moral e, terceiro, é o nexo causal entre ocorrência
do fato administrativo e o dano.
Isso quer dizer que aquele que foi lesado por fato administrativo deve apenas
prova o nexo de causalidade entre o fato e o dano, não sendo necessário provar
a culpa do agente público. Fácil perceber que se o fato não ocorreu sob a
responsabilidade do Estado não há que se falar em nexo causal.
O
nexo de causalidade é pressuposto
essencial para responsabilizar o Estado pelos danos materiais ou morais
ocorridos.
Quando os danos são
oriundos da ação ou omissão do Estado e conta com a participação do lesado no
resultado da lesão, há compensação de culpas e, também, o dever do Estado em
indenizar
é
compensado e o valor reduzido. Conforme disposição expressa do art. 945 do
Código Civil
“se a vítima tiver
concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada
tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”.
No caso dos
eventos ocorridos por
força maior e
caso fortuito, como ambos são fatos
imprevisíveis, não se pode imputar ao Estado a responsabilidade. Falta, no
caso, nexo de causalidade entre o dano sofrido e qualquer ação ou omissão do
Estado, portanto ficam fora de qualquer responsabilidade estatal. No entanto, quando
o fato é conhecido de todos não se pode falar em força maior ou caso fortuito,
pois o elemento imprevisibilidade não estaria presente quando ocorrido o evento
.
Não se pode
indagar da isenção de responsabilidade do ente estatal quando este tem o dever
de preservar a incolumidade pública e, na sua omissão, tem o mesmo de ser
responsabilizado de forma subjetiva. Em caso de enchentes, por exemplo, quando
o Estado deixa de conservar bueiros e torna difícil o escoamento de águas, deve
responder por omissão no dever de preservação da incolumidade pública. Apesar
das várias divergências doutrinárias e jurisprudenciais, entende-se, no caso de
omissão do poder público, se o lesado apresenta-se com provas robustas do nexo
de causalidade entre a omissão e os danos torna a responsabilidade, para alguns
tribunais, objetiva
.
Contrários a tal
tese encontram-se vários doutrinadores que lecionam a impossibilidade de
aplicar a teoria da responsabilidade objetiva no caso de omissão, pois “quando
o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não
funcionou, funcionou tardiamente ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria
da responsabilidade subjetiva”
.
Evidente que o
Estado somente responderá no caso de conduta omissiva quando os elementos da
responsabilidade caracterizarem a culpa em não atuar em favor da coletividade. Necessário
frisar que o Estado não está obrigado a atender demandas de políticas públicas
quando for comprovadamente insuficiente o seu orçamento. Não podendo ser
condenado no caso de omissões quando não atendeu demandas genéricas por
impossibilidade de cumprimento das metas orçamentárias.
Além disso, o nosso
sistema adotou a
teoria do nexo causal
imediato e direto, também denominada de
teoria da interrupção do nexo causal, segundo o art. 403 do Código
Civil
.
Quando o Estado
se compromete a realizar determinados atos em defesa coletiva deve fazê-lo sob
pena de omissão e responsabilidade subjetiva, entretanto, a omissão deve ser
suficiente para causar danos. No caso do tempo decorrido entre a omissão e o
dano é de se perquirir se efetivamente o ente público atuou ou deixou de atuar
com culpa. Como, por exemplo, na fuga de preso o STF decide pelo indeferimento
da responsabilidade quando fora dos parâmetros do nexo de causalidade
.
O Estado não é o segurador universal de tudo que ocorre
sob seu território, pois se assim fosse estaríamos frente a diversas ações
antijurídicas, ferindo todos os princípios informadores da justiça e do
direito.
Sabe-se que os
atos ou omissões do Poder Público, quando causa danos, deve o Estado reparar os
danos. Esses danos podem nascer, como já afirmado antes, de atos do Executivo,
Legislativo e Judiciário.
Do poder
Judiciário citam-se inúmeros casos de reparação de danos quando do erro em
decisões que ferem os direitos fundamentais de liberdade, por exemplo. Do Poder
Executivo, como é o Poder que mais atua e de forma direta com o cidadão, são
incontáveis os casos de ação ou omissão que causam danos a terceiros, ensejando
a sua reparação.
Da
responsabilidade por atos do Legislativo, que é a função determinante para a
criação do direito, existem ainda divergências em decorrência dos atos e de
omissões da criação de leis e regulamentos.
Autores divergem
uns para afirmar que o ato legislativo não pode causar danos, pois a lei é
constituída sob a égide dos mandamentos constitucionais não pode causar
prejuízos, pode, no máximo, contrariar interesses individuais ou de grupos, mas
não tem o condão de propiciar a responsabilidade do Estado. Argumentam ainda
que o Estado é soberano para a criação de leis, revogando, alterando,
extinguindo situações jurídicas condizentes com a Constituição Federal, sem que
isso decorra de produção de danos individuais; as normas são gerais e
abstratas, portanto são de ordens que não produzem danos propensos à qualquer
tipo de reparação.
O parlamento,
sabedor dos deveres impostos pela Constituição Federal, não deve criar leis
inconstitucionais causando situação de dano e possível reparação futura, mas
antes causando prejuízos até contra o próprio Estado. A doutrina atual reconhece
a possibilidade de indenizar quando ocorre um dano jurídico lícito. No caso dois pressupostos para possível
reparação do dano: o primeiro é a necessidade da declaração de
inconstitucionalidade da lei e, outro, é possibilidade de na sua vigência causar
prejuízos, caso contrário nada terá o Estado que reparar.
A ilegalidade
poderá gerar reparação também quando o Poder Executivo expede regulamentos
contrariando lei maior ou mesmo causando o abuso de poder.
Temos ainda o
caso das leis de efeitos concretos,
ou seja, aquelas que se apresentam como leis, possuem a imperatividade das
leis, mas são considerados meros atos administrativos. São leis que criam os
chamados efeitos concretos diretos
sem se irradiar para outras infinitas situações, por exemplo, leis que criam um
Município e as leis orçamentárias, as leis de tombamento, leis que instituem
empresa pública, leis que autorizam a translação dominial de bens etc. nesse
caso não será necessária declaração de inconstitucionalidade, mesmo porque até
uma lei de efeito concreto constitucional poderá ser geradora da
responsabilidade civil do Estado. Por não ser necessária a declaração de
inconstitucionalidade, comprovado o nexo de causalidade, o Estado fica obrigado
a reparar. O mesmo se aplica às agências reguladoras quando de seus
regulamentos.
Com relação a
omissão do legislador, antes é necessário esclarecer que há prazos regulados
pela Constituição Federal para que o Legislador cumpra o processo legislativo e
em razão desse fato, o não cumprimento do prazo estabelecido haverá
consequências.
A Constituição
Federal, por isso, estabelece no art. 103, § 2º, que “declarada a
inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma
constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das
providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para
fazê-lo em trinta dias” e, no inc. LXXI do art. 5º, quando concede mandado de
injunção “sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o
exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas
inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
Evidente que a
mora na decisão legislativa deve ser decretada pelo Poder Judiciário e, ainda,
a constatação de que houve danos causados pela omissão, só assim os prejudicados
terão “direito à reparação de seus danos por parte da unidade federativa
omissa”
.
Várias
jurisprudências de nossos Tribunais trazem como certa a reparação dos danos
causados por lei julgadas inconstitucionais.
Assim temos os
seguintes exemplos: o STF decidiu que o “cabe responsabilidade civil pelo
desempenho inconstitucional da função do legislador”
; em
decisão de conflito negativo de competência determinou que “esta Corte de
Justiça tem adotado o entendimento de que compete à Justiça Federal a
apreciação dos feitos nos quais se postula indenização pelos prejuízos advindos
da Lei 8.630/93, que alterou os serviços portuários estando ausente o vínculo
laboral, entendendo ser da União a responsabilidade objetiva na forma do artigo
109 da Constituição Federal”
;
e, “apenas se admite a responsabilidade civil por ato legislativo na hipótese
de haver sido declarada a inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal
Federal em sede de controle concentrado”
.
Dessa maneira o
dever de indenizar decorre tanto da atividade legislativa exercida de forma
totalmente diversa da Constituição Federal quanto da omissão, pois após fixado
um prazo para regulamentação e não ocorrendo, acarreta a mora do Parlamento,
com indenização aos prejudicados.
O abuso de autoridade
(v), regulado pela Lei 4.898/65, é ato que fere o direito do administrado e,
por consequência, deve-se promover a responsabilização administrativa e,
também, penal do servidor que abusou das funções. Nesse caso, o lesado poderá
acionar o servidor civilmente com uma ação autônoma e ainda acionar a
Administração Pública pelos danos causados pelo servidor. Não é, no caso, ação
regressiva.
O art.
43 do Código Civil dispôs que “as pessoas jurídicas de direito público interno
são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade
causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do
dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”. O artigo omitiu que a
responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços
ao Estado.
Código
Civil: Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e
danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela
direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.
Processo
RE 172025 Relator(a) Ilmar Galvão; Processo RE-AgR 395942 Relator(a) Ellen
Gracie; Processo RE-AgR 573595 Relator(a) Eros Grau.
Recurso
Especial nº 571.645/ RS. Relator: Min. João Otávio de Noronha.